Lembranças


Hoje eu estava me lembrando de quando era criança. Eu e Camila, minha sobrinha, temos praticamente um ano de diferença em nossa idade, então crescemos juntos. Por diversas vezes, tivemos as mesmas pessoas em nosso círculo de convivência e, na maioria das vezes, elas nos tratavam de formas diferentes.

Apesar de pouca diferença de idade, eu era o grandão. Camila era bem pequena, a ponto de receber o apelido de "nanicolina", na escola. Na relação familiar, ela era tratada como criança e eu como o tio responsável por ela.

A única pessoa que tentava nos tratar com igualdade era minha irmã mais velha, Mary (mãe da Camila), que tentava fazer com que a gente tivesse as mesmas oportunidades e as mesmas alegrias. Por exemplo: Se a Camila ia ganhar um CD de presente, eu ganhava o mesmo CD. Olhando por um outro ângulo pode parecer inútil, perda de dinheiro, uma vez que passávamos a maior parte do tempo juntos, mas ela fazia isso para que eu me sentisse tão especial quanto minha sobrinha, que sempre foi cercada de mimos por todos.

Não era a toa que minha irmã fazia isso. Ela, com certeza, percebia a diferença de tratamento que as outras pessoas tinham entre Camila e mim.

Eu confesso que eu percebia que estava ganhando o mesmo que a Camila pra não me sentir menos amado, inferior, etc. Mas era exatamente assim que eu me sentia.

Eu sentia que só estava ganhando o mesmo que ela, por pena. Quando ganhávamos os mesmos presentes, eu achava que não era digno dele. Só sentia que estava ganhando pra não "aguar". Tipo, "Temos que comprar dois, um pra ela e um pro Douglas".

É claro que, hoje, eu sei que não era essa a intenção, mas é incrível como a mente (mesmo a mente de uma criança) distorce as coisas. Parece algo diabólico, na tentativa de gerar complexos na mente de alguém, pra que cresça como uma adulto que se sente tolerado e não amado.

Por muito tempo foi assim que me senti. Como se as pessoas não sentissem amor real por mim. Como se não houvesse motivos para me amarem.

Isso passou? Confesso que não. Mas, eu aprendi a lutar contra meus próprios pensamentos. Aprendi que se eu me amar, vou conseguir enxergar o motivo de as pessoas também me amarem. Não que as pessoas devam me amar pelo que eu sei fazer, mas por quem sou. E é exatamente isso que tenho feito ao longo de todos esses anos. Tenho me conhecido intimamente, amado cada pequeno detalhe de minha personalidade, sido meu melhor amigo (nunca deixando de me cercar de pessoas especiais, mesmo que seja uma por vez), e assim, quando alguém parece me amar, eu sei que é de verdade, que é algo possível, pois eu também me amo.

Com toda essa reflexão, eu aprendo duas coisas: Os pais, irmãos mais velhos, responsáveis por alguma criança podem lutar com todas as forças para fazer com que ela veja o mundo colorido pintado por uma infância perfeita, mas nada está definitivamente sob seu controle. Não dá pra privar alguém da realidade da vida, pois todos nós estamos vulneráveis à maldade do mundo, desde bem pequenos.

O outro aprendizado é o seguinte: Toda história tem dois lados e, apesar de relatar o meu lado da história, hoje eu pensei no lado da minha sobrinha, a Camila. Que também teve seu lado ruim da história. Sempre tão comparada a mim em questões de aprendizagem. Sofreu uma cobrança injusta por parte das pessoas, quando eu continuei focado nos estudos e ela começou a ter tantas outras coisas chamando sua atenção.

A vida é isso aí... Vencendo nossa própria mente dia após dia. O segredo é enxergar a verdade nas intenções de quem nos ama. Essas distorções da realidade são naturais, coisas da fertilidade da nossa cabeça bagunçada.

No final de tudo, é só tentar arrumar.