Sobre joelhos e coração

Sempre fui uma criança sonhadora, criativa, espontânea... Mas, as pessoas, desde cedo, começaram a me podar, sem permitir que a voz do meu coração se expressasse de forma livre. Minha família já tinha um ideal de quem ela queria que eu fosse, e eu sentia que não se encaixava em absolutamente nada do que eu era.

Quando criança, eu adorava presentear as pessoas a quem amava. Lembro de uma vez que encontrei um pingente dourado no chão da sala de casa, fiz uma carta cheia de desenhos e declarações de amor à minha professora, e levei para a escola no dia seguinte.

Eu entreguei aquele presente com tanta sinceridade no meu coração, mas... Quando cheguei em casa, meus pais e minhas irmãs me repreenderam de forma bastante dura. Eu não tinha permissão para pegar o que não era meu, muito menos dar de presente a alguém. Acho que eles pensaram que eu havia roubado, mas eu não consegui explicar, então, por medo de piorar tudo, menti, dizendo que algum coleguinha de Turma havia me dado. Mas, piorou.

Como castigo, tive que me ajoelhar no milho durante algum tempo. Aquilo doía muito no corpo, mas nada se compara a dor que me deixou na alma. Meu coração estava partido, especialmente porque eu nunca imaginei que minha Professora me delataria aos meus pais, sem entender que minha atitude havia sido unicamente por amor.

Os mais velhos pensavam estar me educando, me ensinando a não fazer o que era errado, mas eles não conseguiram enxergar a intenção de uma criança de apenas quatro anos de idade, que ainda não sabia exatamente os limites entre o certo e o errado. Ali, eu estava aprendendo a não confiar totalmente nas pessoas, por mais importância ou significado que elas tivessem para mim.

Episódios como este ficaram tão marcados em quem eu sou (ou em quem deixei de ser), que permanecem vivos em minha mente até hoje.

Às vezes eu olho para mim mesmo, como sou, e penso em como eu seria se aquela criança tivesse crescido como realmente era, sem a interferência, reprovações, zombarias... Hoje, minha luta interior está baseada em conseguir ser quem eu sou, seguir meus próprios sentimentos, pensamentos, sem levar tanto em conta o que as pessoas esperam de mim.

É tão difícil! É difícil ter que ouvir as opiniões, as propostas de futuro, as expectativas antigas dos outros, que não têm absolutamente nada a ver com o que eu sempre imaginei pra mim, e ter que ignorar. É como se, mais uma vez, aquela criança estivesse tentando se expressar e as pessoas, sem conseguir compreender, a forçassem a se ajoelhar sobre o milho, tentando ensinar como deve, e como não deve agir.