Antipatia desumana

Ontem, fui inventar de conversar com uma pessoa religiosa. Eu já havia previsto a dificuldade que seria conversar (dialogar) por meio de mensagens instantâneas. Mas, a pessoa me chamou, começamos a conversar e acabamos chegando ao ponto onde cada um conta o seu lado. No caso dela, dizer os motivos de estar suportando os males de se submeter a uma religião. No meu, contar os motivos que me levaram a não participar mais de uma religião, apesar de manter minha vida de espiritualidade ativa, minha crença em Deus e meus valores pautados no que eu acredito.

Tudo ia muito bem até que eu dissesse que talvez ainda não tenha superado as feridas causadas pelas marcas de rejeição das pessoas que e esperava que me acolhessem. E isso está diretamente atrelado à minha incapacidade de me manter no meio religioso. Porque pra mim é incoerente dizer que se ama o próximo e não promover ações que demonstrem isso quando se faz mais necessário.

A pessoa começou a me responder com argumentos que defendem a fé, ou melhor, que defendem a postura dos religiosos e me colocam como alguém que ESCOLHEU sair do meio religioso por se sentiu moralmente agredido, porém, os argumentos dele me colocaram como errado. Me fizeram sentir culpa por ter saído, ao invés da liberdade de não ter mais que prestar contas ao meu agressor.

O pior de tudo, é que de acordo com a fé dele, ele tem razão. Quem sou eu para me posicionar contra as pessoas que me feriram, se eu também não mereço o perdão de Deus? Quem sou eu para "julgar" a falta de empatia e amor ao próximo promovidos pelo que chamamos de igreja, se eu também cometo erros, se eu saí do meio, sendo que poderia estar lá fazendo alguma diferença para essas pessoas que, segundo eu mesmo, estão mais perdidas do que que está no escuro, porque pensam estar caminhando na luz.

Como vocês vêem, eu consigo concordar com a visão dela, se enxergar a situação pelo ponto de vista dela. Isso é empatia (?). Mas, pelo ponto de vista de alguém que foi ferido e tem levado anos para se regenerar das marcas causadas pela religião, eu me senti violentado por esses argumentos. Porque em momento algum ela demonstrou empatia pela minha dor. Em momento algum eu senti que ela se colocou no meu lugar para chorar comigo e dizer: "Eles são culpados, sim, mas você é mais forte do que eles, pela força do amor que há em você. Você pode vencê-los com amor.". Cara! Eu ficaria radiante! Me sentiria abraçado, acolhido e fortalecido pra cumprir uma missão a mais. Mas, aquilo virou um tipo de debate em que não se busca compreender o que o outro diz. Apenas defender o próprio ponto de vista.

A diferença é que eu não estava tentando defender minha posição. Eu não estou tentando induzir ninguém a sair da religião. Se você se sente bem na sua, se te aproxima de Deus, se te faz uma pessoa melhor, força! Continua! Mas, respeite a minha decisão de não pertencer a uma. Respeite ao invés de usar seus argumentos cheios de teologia para me dizer o que você fez quando viveu uma situação "parecida" com a minha. Porque somos pessoas diferentes, com histórias diferentes, sentimentos diferentes. Além disso, o que Deus (sim, eu acredito muito em Deus) tem feito no meu interior é algo muito pessoal meu. Então, não se dê o direito de me medir pela sua régua.

Eu pensei que haveria diálogo, pensei que haveria a possibilidade de uma nova amizade improvável, mas, infelizmente, a religião falou mais alto do que a humanidade.

Tem gente que pensa que se colocar no lugar do outro é concordar. Foi bem isso que essa pessoa me disse: "Você pensa que estou debatendo porque não apertei sua mão em concordância". Gente! Quem pediu que concordasse?! Eu só não senti que houvesse uma possibilidade de relação humana entre alguém que se expõe (eu - idiota, porque não deveria ter me exposto) e alguém que ao invés de tentar enxergar minha história pelo meu ponto de vista, sequer se esforça, porque os argumentos religiosos sempre falam mais alto.

Fui dormir 2h30 da manhã, totalmente frustrado e com o pensamento a mil.

Ainda tive que ouvir que seria inútil da parte dela tentar explicar melhor porque eu ainda estou ferido. Ou seja, usou a abertura que eu dei contra mim mesmo.

É por isso que eu me fecho cada vez mais para as relações humanas. Prefiro eu mesmo cuidar da minha vida e deixar que leve o tempo de Deus para que qualquer ferida feita seja curada a ponto de eu poder caminhar acima de qualquer coisa que pessoas como essa possam me fazer.

Só espero que nunca façam com ela o que já fizeram comigo. Que nunca virem as costas para ela quando ela precisar de um amigo. Que ela nunca seja tema de fofocas amplificadas. Mas, se isso vier a acontecer, que ela encontre pessoas que a abracem ao invés de usar argumentos teológicos contra ela.

Que possamos ser mais empáticos em nossas relações. Que possamos oferecer mais amor e menos opinião sobre as dores dos outros. Eu ainda sinto que estou longe de fazer o que Jesus ensinou, que é perdoar incondicionalmente, mas isso só reforça minha dependência d'Ele. Pra mim é um mecanismo de defesa, de sobrevivência, para que as pessoas não façam novamente a mim o que um dia fizeram.

Ainda estou processando tudo isso.

Douglas.

Sobre joelhos e coração

Sempre fui uma criança sonhadora, criativa, espontânea... Mas, as pessoas, desde cedo, começaram a me podar, sem permitir que a voz do meu coração se expressasse de forma livre. Minha família já tinha um ideal de quem ela queria que eu fosse, e eu sentia que não se encaixava em absolutamente nada do que eu era.

Quando criança, eu adorava presentear as pessoas a quem amava. Lembro de uma vez que encontrei um pingente dourado no chão da sala de casa, fiz uma carta cheia de desenhos e declarações de amor à minha professora, e levei para a escola no dia seguinte.

Eu entreguei aquele presente com tanta sinceridade no meu coração, mas... Quando cheguei em casa, meus pais e minhas irmãs me repreenderam de forma bastante dura. Eu não tinha permissão para pegar o que não era meu, muito menos dar de presente a alguém. Acho que eles pensaram que eu havia roubado, mas eu não consegui explicar, então, por medo de piorar tudo, menti, dizendo que algum coleguinha de Turma havia me dado. Mas, piorou.

Como castigo, tive que me ajoelhar no milho durante algum tempo. Aquilo doía muito no corpo, mas nada se compara a dor que me deixou na alma. Meu coração estava partido, especialmente porque eu nunca imaginei que minha Professora me delataria aos meus pais, sem entender que minha atitude havia sido unicamente por amor.

Os mais velhos pensavam estar me educando, me ensinando a não fazer o que era errado, mas eles não conseguiram enxergar a intenção de uma criança de apenas quatro anos de idade, que ainda não sabia exatamente os limites entre o certo e o errado. Ali, eu estava aprendendo a não confiar totalmente nas pessoas, por mais importância ou significado que elas tivessem para mim.

Episódios como este ficaram tão marcados em quem eu sou (ou em quem deixei de ser), que permanecem vivos em minha mente até hoje.

Às vezes eu olho para mim mesmo, como sou, e penso em como eu seria se aquela criança tivesse crescido como realmente era, sem a interferência, reprovações, zombarias... Hoje, minha luta interior está baseada em conseguir ser quem eu sou, seguir meus próprios sentimentos, pensamentos, sem levar tanto em conta o que as pessoas esperam de mim.

É tão difícil! É difícil ter que ouvir as opiniões, as propostas de futuro, as expectativas antigas dos outros, que não têm absolutamente nada a ver com o que eu sempre imaginei pra mim, e ter que ignorar. É como se, mais uma vez, aquela criança estivesse tentando se expressar e as pessoas, sem conseguir compreender, a forçassem a se ajoelhar sobre o milho, tentando ensinar como deve, e como não deve agir.