Sobre um sonho repetido

Mais uma vez estive naquele sonho. O barqueiro encapuzado conduziu a gôndola na minha direção, e estendeu a mão apodrecida para me receber naquele mar escuro que refletia o céu muito nublado, e que tornava tudo cinza ao meu redor.
Me lembro bem do meu pé descalço tocando o ferro frio do apoio que servia para os passageiros entrarem na embarcação, enquanto eu segurava a mão do gondoleiro oculto sob as vestes negras, para acompanhá-lo até onde ele desejava me levar.
Eu, sinceramente, não sei o significado desse sonho, nem mesmo do motivo de ele ter se repetido num curto período de tempo, mas... Ele me fez lembrar de uma história que ouvi há algum tempo, em que, ao fim da vida, um gondoleiro (guardião das chaves do paraíso) conduzia o homem até o outro lado e lhe fazia duas perguntas:
"Você foi feliz?"
"Você fez alguém feliz?"
As respostas para essas duas perguntas determinariam se o homem poderia, ou não entrar no descanso eterno.
Não sei por que estou escrevendo isso aqui. Só não queria guardar só para mim mesmo.

Redescobrindo meu caminho


Estou querendo voltar a escrever.

Quando que me mudei do Rio de Janeiro para Santa Catarina, minha vida como escritor da história na qual trabalho há alguns (muitos) anos passou por diferentes fases. Desde o bloqueio inicial, devido ao período de adaptação no novo Estado, novo emprego, nova cultura, até o tempo de retomar a escrita, em que as páginas pareciam fluir, trazendo aquela sensação de "Agora vai!".

Infelizmente, depois desse período de fluidez na escrita, eu fiquei desempregado. Meu contrato como professor do Estado de Santa Catarina acabou e, apesar de fazer as provas - e passar em primeiro lugar -, eu não pude assumir as vagas. Isso, porém, é história para outro momento. Na verdade, já publiquei um textão no Facebook sobre isso, explicando tudo, nos mínimos detalhes.

Enfim... De volta ao Rio de Janeiro, começou todo um novo processo, agora de readaptação. Quem disse que eu conseguia construir uma rotina para escrever? Na casa dos meus pais, sem um espaço propício para a escrita, sem ambiente que estimulasse a concentração. Tudo parecia praticamente perdido. Como disse: Parecia... até o momento em que alguém me falou sobre um curioso livro chamado "O caminho do artista", que busca trabalhar contra o bloqueio criativo em todas as áreas artísticas, entre elas a escrita.

Quem me conhece sabe que não sou de ler rápido. Já cheguei a comentar que acho uma tremenda falta de respeito com o autor (que demora tantos meses para escrever), ler um livro em poucos dias. Mas, no caso de "O caminho do artista", eu devorei o livro! Foi inevitável. Não conseguia parar. Em cada momento de meu dia, sentia a necessidade de abri-lo para ler mais uma linha, um parágrafo, uma página (que se tornava em várias), e vários capítulos! Eu nem guardava o livro. Andava com ele na mão, para cima e para baixo, lia andando, atravessando a rua, esperando o ônibus... E foi incrível  me sentir tão compreendido enquanto realizava a leitura. Sinceramente, acho que nunca fui tão compreendido quanto me senti através desse livro.

Fato é que "O caminho do artista" oferece um programa de aplicação pessoal a ser seguido durante doze semanas. Eu comecei a aplicar as principais práticas (que eu já usava antigamente, sem saber que eram capazes de liberar/estimular a criatividade) mas deixei para realizar o programa semanal quando estivesse relendo o livro. E foi inevitável começar a reler no dia seguinte à finalização da primeira leitura.

Comecei a fazer as atividades propostas que  focam desde os fatos de nosso passado que possam ter causado bloqueios artísticos, até reprovações de nossas expressões durante a infância e falta de apoio familiar, que podem ter resultado em insegurança... Acima de tudo, o livro trabalha o autoconhecimento. Isso me fascina, me inspira! Afinal, é muito bom conhecermos a nós mesmos. É bom de mais saber quem somos. Sabermos nos controlar diante dos impulsos (ou da falta deles).

Eu acredito que, seguindo o processo sugerido por esse livro, vou conseguir (ou melhor, já estou conseguindo) me desbloquear. A vontade de escrever já voltou, afinal, foi assim que comecei esta publicação.

Creio que seja esse o caminho. Os primeiros passos para o retorno do dom, no sentido mais puro que ele tem. Afinal, qualquer tipo de arte deve ser natural, prazeroso, divertido! Quantas vezes entrei no meu quarto para brincar de escritor, e escrevi histórias fantásticas, criei mundos e personagens incríveis! Quantas vezes fui brincar de compositor, imaginando que estava compondo canções para meu álbum que seria lançado, e consegui compor canções belíssimas, que chegaram a ser produzidas e gravadas de verdade! A arte PRECISA se divertir. Ela não deve ser uma obrigação.

Infelizmente a gente cresce e começa a encarar o mundo, o mercado, a sociedade, e deixa de ser artista por prazer.

Como artistas que somos, nos sentiremos expostos, seremos alvo de críticas (boas e maldosas), devemos nos dar o direito de ser artistas "ruins", mas nos dar o direito de ser artistas, produzindo arte, criando, através de toda a nossa forma de expressão. Infelizmente, por muitas vezes, eu preferi deixar de ouvir meu coração, que dizia "Expresse sua arte", para ouvir aos críticos que me diminuíam ou diziam em tom de autoridade: "Apaga aquilo que você publicou!".

As pessoas que nos criticam, na verdade, gostariam de ter nossa coragem. Gostariam de estar em nosso lugar, mas têm medo, estão bloqueados.

Quem é artista, no entanto, não faz arte pelo aplauso, pela aprovação, nem pelo público. Quem é artista de verdade, faz arte por instinto, por sobrevivência. Pois o artista que não faz arte, deixa de existir, perde o sentido da própria vida.

Se eu fosse falar mais sobre esse livro, acabaria escrevendo outro livro sobre tudo de bom que ele me proporcionou na primeira leitura, sendo assim, prefiro deixar que aqueles que se interessarem o leiam e deixem que o efeito dele aconteça de acordo com sua necessidade. Fato é que eu estou com muita vontade de escrever, trabalhar na minha história. Finalizá-la,  não como um dever, mas pelo prazer de sentir a criatividade se movendo dentro de mim. Para dar à luz um filho (meu trabalho concluído) e dar lugar a novas criações, povoar novos mundos e contar novas histórias, todos gerados através de mim.

É só o princípio do recomeço. E eu não estou nem aí para o que irão dizer.

O lado bom da normalidade

O mundo blogueiro não é mais o mesmo há tempos.
As próprias redes sociais, como Facebook, não têm sido bons lugares para publicar textos.
Em tempos onde as livrarias estão fechando, indo à falência, não há otimismo quanto à escrita e leitura.

Estou de volta à casa dos meus pais, onde costumava escrever meus textos mais reflexivos.
Acredito que o ambiente familiar seja um terreno propício para as crises e necessidade de isolamento que tanto me inspiraram a escrever.
O fato de sempre ter me sentido deslocado, diferente da minha família, sempre me fez refletir muito sobre minha existência, meus propósitos de vida.

Hoje em dia, considero-me alguém mais maduro.
Apesar dos pesares, eu venho crescendo por dentro, como um ser humano a quem admiro e me orgulho de ter me tornado.
Algo que tem se passado muito nos meus pensamentos é a questão de estar vivendo uma fase, afinal, a vida é feita delas. Nada é permanente. Tudo muda.

Estamos em um momento de comemoração em família, entre irmãos. Somos seis filhos. Temos meu pai e minha mãe com vida e saúde. E aqueles momentos em que reclamamos de ter que nos reunir para tirar fotos (obrigatórias) com todos em família, um dia serão lembrados com saudade, pois nem todos estarão presentes.

A vida é limitada. Meus pais, um dia irão partir, meus irmãos, eu... Por isso, preciso me lembrar todos os dias, de valorizar cada uma dessas oportunidades de estarmos todos juntos, felizes, apesar do calor, apesar dos sonhos ainda não realizados, apesar das diferenças que temos, mesmo sendo irmãos (vindos do mesmo lugar, feitos da mesma forma, como costumam dizer por aí).

Eu já tive uma amostra do que é viver longe da família que tenho. Sentia falta deles a cada momento em que gostaria de ter alguém para me alegrar, ou para me tirar de uma rotina cem por cento planejada. Eles me fizeram falta. O calor desse lugar me fez falta. Não apenas o calor do clima, mas principalmente o calor das pessoas, a sinceridade de querer bem uns aos outros. Por muito tempo foi disso que eu senti mais falta.

Que Deus preserve minha família assim por um bom tempo, e que preserve a mim e ao meu coração conscientes da necessidade de permanecer grato pelas pequenas coisas. Pela normalidade do dia a dia, pois se está normal, é sinal de que tudo também está bem.