O desafio de entender o que sinto

Sabe aquela história de que todo mundo tem uma ligação, um telefonema que muda sua vida?

Sempre imaginei que a ligação que mudaria minha vida seria boa, um convite para fazer parte de algo grandioso, uma oportunidade única.

Hoje é quinta-feira, feriado de Corpus Christi. Faz uma semana desde o dia que recebi o telefonema da minha irmã, comunicando a partida do meu maior amor: minha mamãe.

Diria que foi essa a tal ligação, mas não quero acreditar que a ligação que mudou minha vida seja uma carregada de tamanha perda.

Depois de uma semana me mantendo estável emocionalmente, ontem foi o dia que não quis me levantar, não quis abrir as janelas do quarto, não quis arrumar minha cama, não quis ligar o computador, e tudo bem.

Os sentimentos estão um pouco confusos nesses dias. Eu não sei se essa fossa se deu pela data (uma semana sem minha mãe), ou por algum outro fato que esteja acontecendo e acaba se misturando com esse sentimento que está aqui, devido ao luto.

Infelizmente, a pessoa que eu pensei que estaria ao meu lado nesse momento de perda, não pode estar. Meu noivo, Rodrigo, está em um retiro espiritual e vai ficar incomunicável por duas semanas. Ontem, quando tentei desabafar essa frase com ele, ele ficou um pouco chateado. Entendeu que eu estivesse dizendo que ele não estava ao meu lado. Mas, ele esteve, sim. Ele veio aqui na casa dos meus pais, dormiu aqui pela primeira vez, permaneceu comigo o tempo todo. Só que, até ontem, eu não havia estado tão fragilizado, e justamente ontem, eu não poderia tê-lo comigo.

Meu pai é barbeiro há mais de 50 anos. Depois que se aposentou e fechou as portas de seu salão, continuou atendendo aos clientes antigos (e até novos) na varanda de casa.

Ontem, pela manhã, eu escrevia em meu caderno, sentado no sofá da sala, e ouvi meu pai conversando com um cliente, enquanto cortava seu cabelo. Eles conversavam sobre o fato de meu irmão ter abandonado os estudos e ter se dado muito bem na vida. Meu pai falou sobre a casa do meu irmão, sobre a pequena frota de caminhões pipa que ele tem, e como ele o ajuda financeiramente.

O cliente falou que realmente existem pessoas que se deram muito bem na vida e que não seguiram nos estudos. Deu o exemplo de um conhecido dele que trilhou o mesmo caminho, e perguntou pelo filho mais novo do meu pai (eu).

Meu pai respondeu que eu sou o filho que mais estuda. "Bacharel em Teologia". Uma fala antiga, de quando eu concluí minha primeira graduação, em 2011, e ainda era da Igreja Evangélica, Missionário, que acreditava que poderia viver pelo meu chamado ministerial.

Ao ouvir aquela fala, eu acessei um lugar interior que não visitava há tempos, e não imaginava que ainda me afetava tanto.

Eu sou o filho que mais estudou. Além de Bacharel em Teologia, como meu pai falou, sou licenciado em Pedagogia, Pós-Graduado em Gestão Pedagógica e estou cursando Recursos Humanos. Apesar disso, sou o filho que está desempregado desde fevereiro, que ainda não tem casa, carro, não tem sequer habilitação, o filho que mora com os pais e pra quem o pai deixou R$50,00 antes de viajar.

Minha tendência natural não é me enxergar assim. Mas, eu sei que na balança do meu pai o que mais vale é a estabilidade financeira.

Pelo meu olhar, eu sou o filho que mais se comprometeu com o meio religioso, mas que foi rejeitado por ele e precisou reconstruir a própria vida após a primeira graduação. O filho mais obediente, que sempre ouviu dos pais que os estudos eram o melhor caminho para a estabilidade, para ser alguém na vida, e que, por isso, não abandonou os estudos, pois queria ser o primeiro a dar aos pais o orgulho de ter um filho formado.

Pelo meu olhar, eu sou o filho que saiu de casa para morar sozinho por duas vezes, mas que ouviu da família que não precisava daquilo, que a casa dos pais era grande e que havia espaço suficiente para ele. Também ouvia da família que sua mãe precisava dele, que ela ficava muito feliz quando ele estava com ela, de um jeito que mais ninguém conseguia deixá-la.

Sou o filho que foi em busca de seus sonhos, apesar de nenhum deles ter sido lucrativo. O filho que acredita que o dinheiro é uma consequência de fazer a diferença no mundo, um meio para se viver bem e poder dar continuidade na realização de nossos projetos, e não um fim em si.

Agora, enquanto escrevo, eu tenho certeza do quanto esse episódio mexeu comigo. Talvez não tenha sido mesmo só pelo luto, mas o acúmulo de pensamentos. Pensar que não tenho mais minha mãe aqui, pensar que não terei o Rodrigo pelas próximas semanas, pensar que não tenho condições de sair, de me comprometer com o trabalho remunerado e que qualquer coisa que eu venha a fazer não é garantia de que eu vá conseguir pagar minhas contas... Enfim, são muitas coisas.

Porém, hoje é um novo dia.

Não quero ficar no quarto de novo. Não quero ficar alimentando maus pensamentos. Diferentemente de ontem, programei o despertador, acordei mais cedo, tomei um banho, tomei um café da manhã, liguei o computador e vim para a sala, escrever esse texto.

Enquanto escrevia, meu pai viajou para o Espírito Santo, onde vai visitar sua família. Essa viagem era aguardada pela minha mãe, há um tempo, mas ele não quis ir enquanto ela não estivesse melhor. Acabou que não deu tempo de que ela se recuperasse para ir.

Só Deus sabe o quanto eu acreditei que esse dia chegaria. O quanto eu acreditei que minha mãe se recuperaria e poderia voltar a fazer as coisas que ela gostava tanto de fazer, como cozinhar, viajar, ler a Bíblia, entre tantas outras coisas básicas que ela já não conseguia fazer no fim da vida.

Os pensamentos são muitos, fico o tempo todo pensando nela, me lembrando de momentos que tivemos enquanto ela estava aqui comigo. Vejo a tigelinha onde eu costumava servir seu mingau, o copinho onde eu costumava servir seu café... Meu coração se emociona, mas eu não consigo chorar. Talvez, pela certeza de que ela esteja em bom lugar. Pela certeza de que fiz tudo da melhor forma que pude, enquanto ela esteve aqui comigo.

Hoje, pela manhã, um raio de sol entrava pelas grades da cozinha. Eu me lembrei dela sentadinha ali, quietinha, esperando que eu me levantasse pra servir seu café da manhã.

Como eu repetia, quando ela pensava estar incomodando com sua dependência de ajuda, quero repetir, como se estivesse falando com ela: "Mamãe, pra mim é uma honra poder te servir. Você nunca vai ser um peso pra mim. Se eu estou aqui, é por você. Pode me chamar quantas vezes você precisar".

Eu sei que o tempo vai passar e o coração vai entender cada vez mais. A saudade, com certeza, vai aumentar. Mas, eu quero alimentar toda a gratidão que sinto pela mãe que tive. Quero me preparar pra, um dia, poder me reencontrar com ela.

Por hoje é isso.

Um comentário:

  1. Garoto, quantas reflexões você escreveu em um post! Imagino tudo isso dentro da sua cabeça, um misto de sentimentos juntos, primeiro o Luto, que é uma dor que se sobressaí às outras e depois a frustração por não ter um reconhecimento justo pelo seu esforço nos estudos, afinal ninguém se dedica tanto pensando que não vai ter retorno não é? Muito pelo contrário, muita gente nem se esforça e consegue as coisas de uma forma mais fácil e leviana, por isso eu não acredito que quanto mais a gente se esforça mais retorno a gente tem, no entanto o que não dá é ficar parado, por isso, meus parabéns por você ainda estar estudando e buscando um redirecionamento de carreira!
    Minha dica é: invista pesado em entregar currículo pelo LinkedIn, e aproveite as oportunidade, mesmo que seja de estágio, na minha carreira enquanto administrador o estágio foi um divisor de águas!
    E assim que possível faça terapia, existe uma plataforma que não é cara e que se você puder eu indico, se chama: psicologia viva; outra alternativa é fazer gratuitamente nas faculdades de psicologia - isso me salvou muito quando eu me aceitei enquanto gay.
    Desejo que você passe bem por essa fase, cuide da sua saúde mental e não desanime, faça como você fez, acordou, tomou um banho e seguiu em frente!

    Abraços!

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